As Últimas Testemunhas - Svetlana Aleksiévitch
As vezes nesta vida literária, temos o privilégio de ler alguns livros que nos tira o chão, nos causando um impacto tão grande que simplesmente não conseguimos expressar nossos sentimentos em relação a obra e qualquer tentativa será vã. Então a melhor maneira de transmitir essas emoções é revelando um pouquinho do que encontramos nas folhas destes livros.
Recentemente lançado pela Companhia das Letras, "As Últimas Testemunhas" é escrito pela ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura 2015, Svetlana Alexievich. A autora se baseou em diversos relatos de crianças soviéticas para produzir esse compilado de crônicas literárias. Com uma escrita narrativa, através de olhos infantis, ela nos da o vislumbre dos horrores da Segunda Guerra Mundial e no "Abre Aspas" vamos conferir alguns dos trechos que me fizeram conhecer uma outra face da guerra e essa é ainda mais cruel e chocante.
A Segunda Guerra Mundial matou quase 13 milhões de crianças e, em 1945, apenas na Bielorrússia, havia cerca de 27 mil delas em orfanatos, resultado da devastação tremenda causada pelo conflito no país. Entre 1978 e 2004, a jornalista Svetlana Aleksiévitch entrevistou uma centena desses sobreviventes e, a partir de seus testemunhos, criou uma narrativa estupenda e brutal de uma das maiores tragédias da história. A leitura dessas memórias não é nada além de devastadora. Diante da experiência dessas crianças se revela uma dimensão pavorosa do que é viver num tempo de terror constante, cercado de morte, fome, desamparo, frio e todo tipo de sofrimento. E o que resta da infância em uma realidade em que nada é poupado aos pequenos? Neste retrato pessoal e inédito sobre essas jovens testemunhas, a autora realizou uma obra-prima literária a partir das próprias vozes de seus protagonistas, que emprestaram suas palavras para construir uma história oral da Segunda Guerra.
Será que encontraremos absolvição para o mundo [...]?
Fiódor Dostoiévski
Nina Iarochévitch - 9 anos: Fazia um frio terrível, os enforcados estavam tão congelados que, quando o vento os balançava, eles tilintavam. Tilintavam como árvores congeladas na floresta… Aquele som…
Lena Krávtchenko - 7 anos: Vi uma mulher jovem morta, e uma criança mamava no peito dela. Pelo visto, tinha sido morta no minuto anterior. A criança nem estava chorando. E eu estava sentada ao lado delas…
Vália Matiuchkova - 5 anos: Duas, três semanas depois muda‑ vam as crianças. Levavam algumas, todas já pálidas, fracas, e traziam outras. A estas faziam engordar. Os médicos alemães consideravam que o sangue de crianças de até cinco anos ajudava na recuperação mais rápida dos feridos. Que possuía um efeito rejuvenescedor.
Zoia Majárova - 12 anos: Só havia uma saída do campo: pela chaminé… Direto para o céu… Vou me lembrar por séculos… Nunca na vida vou esquecer…
Liuda Andrêieva - 5 anos: De manhã, quando os alemães foram embora e entramos em casa… Minha avó estava deitada na cama… Amarrada com cordas… Nua! Vovó… Minha avó ! De horror… De medo, comecei a gritar. Mamãe me empurrou para a rua. Eu gritava e gritava… Não conseguia parar…
Tônia Rudakova - 5 anos: Lembro que os cabelos da minha mãe , morta, estavam pe‑ gando fogo… E a fralda do pequeno ao lado dela também… Eu e meu irmão mais velho nos arrastamos e passamos por eles [...].
Vália Kojanóvskaia - 10 anos: Nossa casa ficava perto do hospital militar. Bombardearam o hospital, e vi feridos caindo das janelas com muletas. Nossa casa pegou fogo… Mamãe saltou em direção ao fogo: “Vou pegar roupas para as meninas”. Nossa casa queimou… Nossa mãe queimou…
Efrim Fridliand - 9 anos: Tudo de antes da guerra que me vem à memória é alegre e radiante. Porque… Era a infância. A verdadeira infância…
Vália Iurkiédvitch - 7 anos: Vimos uma família subir no barco: marido, esposa e dois filhos ; quando viraram o barco, os adultos foram imediatamente para o fundo, e as crianças boiavam. Os fascistas, rindo, batiam nelas com os remos. Batiam nelas num lugar, elas apareciam em outro, os soldados as alcançavam e batiam de novo. Mas elas não afundavam, como bolinhas…
Iákov Kolodínski - 7 anos: Um alemão de moto virou e contornou aquelas pessoas mortas. Ele tinha algo pesado na mão [...] Sem descer da moto, ele foi andando lentamente e quebrando todas as cabeças [...] Antes disso, eu nunca havia escutado ossos humanos estalando…
Galina Fírsova - 10 anos: Quando um dia parecia uma eternidade. Você não imagina como parece um dia para uma pessoa com fome.
Para finalizar deixo o relato que mais mexeu comigo, onde um garoto de oito anos, Iúra Karpóvitch, diz:
Vi um trem alemão que descarrilou à noite e pegou fogo, e de manhã puseram todos os que trabalhavam na ferrovia sobre os trilhos e passaram uma locomotiva por cima deles.
Vi como tiravam crianças dos braços da mãe a golpes de baioneta. E jogavam no fogo. No poço…
Vi atrelarem pessoas a uma charrete. Elas tinham estrelas amarelas nas costas. Eram açoitadas com chicotes. Os alemães passeavam alegremente .
Agora quero perguntar: deus estava vendo aquilo? E o que Ele achava?
A Companhia das Letras conta com mais três títulos da autora publicados aqui no Brasil. Seguindo a mesma linha narrativa, são eles:
Autora:
Nasceu na Ucrânia, em 1948. Jornalista e escritora, refinou ao longo de sua obra uma escrita única, desenvolvida a partir de observação da realidade e ostentando as melhores qualidades narrativas da tradição da literatura em língua russa. Em 2015, recebeu o prêmio Nobel de literatura.
Antes de mais nada preciso dizer que amei essa frase que escolheu do Dostoiévski.
ResponderExcluirME arrependi que não ter pego essa edição nessa BF, eu adoro ler sobre o assunto. Mesmo sendo relatos dolorosos é necessária. Sua resenha me deixou ainda mais interessada pela obra, Ca.
Beijos
Sai da Minha Lente
Nossa, sem sombras de dúvidas muito interessante seu ponto de vista e ainda mais a história, não é um livro que eu leia ou conhecida e sabia de seu lançamento, mas gostei de conferir ele aqui e ainda mais sua opinião sobre a obra. Parabéns, está lindo.
ResponderExcluirBeijos
Oi Cams. Não se aguento ler esse livro. Fui lendo essas pequenas partes, essas frases mínimas, e fui abrindo os olhos, tapei a boca com a mão e ainda não estou processando muito bem tudo que eu li. Eu gosto, sempre gostei de ler e saber mais sobre essa época tão terrível da humanidade, mas lendo relatos assim, de crianças, que viram e sentiram na pele o ápice da crueldade humana, eu não acho que sou capaz de ler sem entrar numa ressaca literária, e numa depressão sentimental. Dói no meu coração, saber quanto sofrimento foi causado por nada, por pensamentos imbecis de que alguns seriam melhores que outros, ou que qualquer diferença deveria ser castigada. Eu não aceito. Obrigada pela dica desse livro, vou dar de presente para muitas mentes obsoletas.
ResponderExcluirBjoxx ~ www.stalker-literaria.com ♥
Olá, tudo bem? Caramba, eu amo ler livros com essa temática, porém esse não sei se aguento não, parece ser uma leitura bem pesada e triste. Adorei tua resenha, ainda não conhecia a obra!
ResponderExcluirBeijos,
Duas Livreiras
Oi, Camila.
ResponderExcluirPreciso iniciar meu comentário dizendo o quanto eu AMEI o início da sua resenha. Impactante, profundo, assim como este livro parece ser! Amei a sua percepção sobre este enredo e já estou correndo para adicionar na lista. É incrível quando uma obra consegue nos tocar de uma forma tão profunda, não é?
Beijos,
Blog PS Amo Leitura
Caramba... Só de ler esses relatos eu me arrepiei toda. é impossível ser essas coisas e não sentir um aperto no peito, uma agonia da alma, pois sabemos que essas coisas realmente aconteceram, não são ficção! É realmente triste, mas também necessário conhecer a nossa história, a história da humanidade...
ResponderExcluirOlá, tudo bem Camila?
ResponderExcluirEu estou com esse livro aqui, até comecei a leitura e estava gostando, mas precisei parar por causa de outras obrigações, tendo em vista que esse livro foi comprado e não recebido. Gostei da sua resenha e só aumentou a minha vontade em realizar a leitura.
Abraço!
Oi camila, não tinha visto este livro ainda, mas fiquei super interessada por tudo que você apontou na resenha. Dica mais do que anotada.
ResponderExcluirBjs, Rose
Só consigo dizer UAU! Ler cada trechinho desses já mexeu demais com meu coração, já anotei a dica aqui para realizar a leitura, ler seu post me deixou mais do que interessada!!!
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